Quando a Rocco resolveu fazer uma nova edição de Mulheres Que Correm Com os Lobos eu fiquei eufórica, queria ler esse livro há bastante tempo e não o encontrava em lugar algum. Neste livro, Clarissa Pinkola Estés propõe utilizar os contos de fadas e mitos para desvendar a figura da Mulher Selvagem, um espectro de nossa personalidade, destruído e mascarado ao longo do tempo pela sociedade patriarcal. Para a autora, os problemas enfrentados pela mulher moderna são decorrentes da transformação da Mulher Selvagem em uma criatura domesticada.
Durante o passar do tempo, a Mulher Selvagem que existe em nós foi saqueada. Seus refúgios internos foram destruídos e seus ciclos naturais transformados de forma artificial para agradar os outros.
Clarissa utiliza de sua formação como psicanalista junguiana para desvendar o que existe por detrás de nossa mente, e o que nos faz ter tanto receio e medo de se libertar. Para fazer essa varredura no self feminino, a autora utiliza-se de diversas histórias conhecidas, como Barba-Azul ou Os Sapatinhos Vermelhos, vários contos e histórias populares, passadas de maneira tradicional e que vivem em nosso subconsciente até hoje.
O que ela busca nessas histórias universais são os Arquétipos. Jung criou esse termo algum tempo atrás, para ele, os arquétipos seriam um conjunto de imagens primordiais que se encontram armazenadas em nosso imaginário, são eles que dão sentido as histórias, formando uma espécie de conhecimento inconsciente e universal. As histórias possuem um fundo, uma mensagem. Quando ouvimos a história de Barba-Azul, um homem cruel que matava suas esposas, recebemos uma mensagem clara: cuidado.
Claro que existe muito mais coisa escondida por detrás das lições de moral das histórias infantis. A função de Clarissa é justamente nos levar para o mundo por debaixo dos panos, e nos mostrar mais do que nossos olhos conseguem ver. A autora não é só uma renomada psicanalista, é também uma incrível escritora e ativista, e utiliza de seus vários talentos para nos levar nessa aventura pelo inconsciente.
Não demorei muitas páginas para entender o quanto esse livro é importante. Ao final da leitura, sinto-me na obrigação de espalhá-lo por todos os cantos do mundo. É de suma importância para nós mulheres lermos livros deste tipo. Passamos a vida inteira escondendo nossos receios, nossos traumas e desejos, em grande parte porque sentimos medo e culpa. Temos medo de ser julgadas. Sabemos que não importa o que aconteça, sempre existirá alguém para colocar a culpa em nós.
É comum para as mulheres desmerecer o seu trabalho criativo, ou então relegar seus sonhos e desejos para o segundo plano. Tem sempre algo ou alguém mais importante. Seus pais, seu namorado, o marido, o chefe, os filhos. As mulheres se sobrecarregam de trabalho, de funções e de obrigações, elas cuidam do lar e da alma das pessoas ao seu redor, se esgotam tanto que no fim do dia não sobra nada.
Um dos arquétipos nocivos ligados a mulher é o da cuidadora. É a mulher que cuida e cura o outro. Claro que não precisamos ir muito longe para concluir que uma mulher extremamente focada em todos, menos nela mesma, acabará servindo de capacho, poderá cair num relacionamento abusivo e terminar tão ferida que nada mais irá florescer em seu coração.
Mesmo que uma mulher venha de um lar feliz e fecundo, a Mulher Selvagem que existe nela irá sofrer, isso por conta de nossa sociedade ainda ser extremamente conservadora e misógina. Para as desfavorecidas, a vida desde o berço é uma batalha. Mulheres pobres e negras sofrem ainda mais.
Lendo as mais de 500 páginas que compõem Mulheres Que Correm Com os Lobos é impossível não se identificar em algum momento. Nessa aventura pela mente feminina encontramos também nossas amigas, mães e avós. São histórias de feridas compartilhadas por milhares de mulheres ao redor do mundo. Clarissa nos mostra uma saída, uma forma de curar nossos corações feridos e nos fortalecer.
Os capítulos ao longo do livro tratam de milhares de assuntos. Falam sobre perdão, amor, autoconhecimento, sexualidade, criatividade e muito mais. Para cada proposta existem as histórias que servirão de pano de fundo. A autora nos apresenta um conto e a partir dele destrincha o tema que deseja tratar.
É uma leitura extensa, que exige a entrega do leitor, por isso é um livro para ser lido com calma, refletindo sobre cada tema e realizando todas as atividades e meditações propostas. Mesmo demandando tanto, o livro não deixa de ser instigante e divertido. Às vezes pode ser doloroso, mas qualquer jornada de descobrimento e amor próprio é assim. Leitura recomendadíssima.