Essa edição traz a primeira vampira da história e também a primeira história de vampiro já escrita em projeto gráfico especial, com curiosidades sobre as obras e os autores. Carmilla é uma obra precursora da temática de vampiros, considerada por muitos críticos como a melhor do século XIX, pela maneira como trabalha o suspense e o erotismo. Foi a partir dela que Drácula, de Bram Stoker, recebeu suas principais características. A vampira de Karnstein se torna o motivo dos horrores e depois do desejo profundo de Laura, uma jovem que vive somente na companhia do pai em um castelo isolado no Leste Europeu. O Vampiro, de John William Polidori, concretizou as lendas folclóricas sobre vampiro e deu a ele a cara que tem ainda hoje: um demônio aristocrata que ataca entre a alta sociedade.
Cerca de quinze anos antes de Drácula, um livro sobre vampiros marcou a literatura gótica e estabeleceu-se entre os clássicos de horror: Carmilla, de Joseph Sheridan Le Fanu. Aliás, não um livro sobre vampiros, sobre “a vampira”. A lasciva personagem que dá título ao conto tornou-se uma das mais impactantes figuras do imaginário vampiresco na história. A obra é narrada por Laura, jovem que vive isolada com o pai em um castelo na Estíria – região do antigo império austro-húngaro. Uma hóspede inesperada, entretanto, despertará os sentimentos amorosos da jovem Laura, ao mesmo tempo que lhe causará certo terror ao trazer de volta antigos pesadelos da infância. Carmilla é um conto sobre sedução e horror, criaturas ancestrais e o despertar da maturidade, amor e repulsa. Um clássico excitante para os amantes do gênero.
A figura do vampiro, até a criação de Polidori, era basicamente rural, fétida, bestial e bruta, uma fera que se apossava de cadáveres que não tivessem tomado os ritos cristãos. Nas áreas rurais era comum que mortes de crianças e de animais fossem atribuídos a vampiros sedentos para sugar sua força vital e seu sangue. Os mortos eram acusados de tais crimes e era comum que se exumassem caixões em busca de atividades vampíricas. Eis que encontravam pessoas com sangue saindo pelos lábios, com cabelos e unhas crescidos.
Tais supostos vampiros eram traídos pela própria biologia. Para populações iletradas e supersticiosas o que seriam provas incontestes de uma ação sobrenatural apavorante nada mais eram do que resultados da natural decomposição do corpo. A desidratação e recuo da pele deixava cabelos e unhas à mostra; a expulsão de líquidos pelos orifícios deixavam marcas de sangue e fluídos e; a pele quente era resultado da elevação da temperatura resultante de ação de bactérias relacionadas à putrefação.
O que Polidori fez foi tirar o vampiro da região rural e levá-lo para o centro da civilização ocidental, para o seio da sociedade dita civilizada e erudita, um vampiro nobre, elegante, sagaz, mas ainda assim uma fera. Você pode ter reconhecido pela descrição desde Drácula até Lestat, pois esse vampiro se torna o protótipo de todos os outros que surgiriam nos séculos seguintes.
O livro do Sebo Clepsidra e da Aetia não contém apenas o conto de Polidori. Essa edição, na verdade, é uma coletânea que abrange toda a obra além de resenhas, cartas, trechos de diários e uma biografia de Polidori no final. É uma obra definitiva, que serve como fonte de pesquisas, tamanho o esmero nos extras e nas notas. O prefácio de Matangrano já nos prepara para a leitura, resgatando a lenda original do vampiro e explicando como ele se tornaria viral depois de Polidori. Entre as narrativas relacionadas presentes temos Fragmento, o texto original inacabado de Byron, de 1819; O Vampiro Negro, uma Lenda de São Domingos, de Uriah Derick D’Arcy, também de 1819; A Noiva das Ilhas, de autoria anônima, de 1825 e O Vampiro, de Isidor, de 1833. Há também duas peças de teatro, mais apêndices complementares.
É preciso destacar também a qualidade gráfica impressionante do livro que vem em capa dura. Pertecendo à Coleção Imaginário Gótico, toda a arte interna da obra remete à arte gótica com seus floreios em preto e branco. No final temos também uma galeria de imagens com reproduções de pinturas, cartas e pôsteres. Encontrei, porém, alguns errinhos de revisão, como palavras sobrando, vírgulas fora de lugar e letras batidas a mais ou faltando. As traduções e os textos estão ótimos.
Obra e realidade
O conto de Polidori é baseado em “O Fragmento” de Lorde Byron, de quem Polidori fora médico particular. Na auspiciosa noite de 16 de junho de 1816, em uma noite chuvosa na Suíça, estavam reunidos Mary Shelley (ainda usando seu nome de solteira), Percy Shelley, John Polidori e Lorde Byron. Os convivas conversavam sobre literatura e surgiu a ideia de uma competição para ver quem escreveria uma história aterrorizante de fantasmas. Esta noite lendária viu surgir Frankenstein e também “O Vampiro”, dois seres seminais para toda uma literatura de horror e ficção científica que surgiria depois.
Byron nunca terminou seu conto, mas Polidori o pegou para si e nele se baseou para criar O Vampiro. Tanto que quando foi publicado, o editor creditou a autoria a Byron, o que ajudou a impulsionar o conto. A relação de Polidori com Byron era carregada de tensão e podemos ver isso através da leitura do conto, pois enquanto Aubrey é uma clara personificação do próprio John – ingênuo, carente e jovem – Lorde Ruthven é a personificação de Byron – sedutor, canalha e inconsequente – já que o próprio nome do vampiro foi retirado do romance Glenarvon, escrito por uma das amantes do poeta inglês.
John William Polidori morreria muito jovem, com apenas 25 anos, amargurado e com dívidas de jogo. Ainda paira uma dúvida se sua morte foi de causas naturais ou devido a um suicídio. Ele não viveu para ver sua obra eternizada em tantas outras, desdobrando-se nas mais diversas representações de uma figura deslumbrante que marcou toda uma cultura.